sexta-feira, 22 de julho de 2011

MARIA

Ontem e Hoje

(Hoje)
Conta uma hora da manhã. Maria está sentada na privada do banheiro de sua casa. Pensativa enquanto faz suas necessidades fisiológicas, ela se lembra do que fizera nesse mesmo horário, na madrugada anterior.

(Ontem)
Uma rua do centro da cidade, movimentada por pessoas que freqüentam um bar com uma roda de samba. Muitos jovens, universitários, encontram ali um ponto de diversão naquela pacata cidade. Maria está agora no meio da multidão aos beijos com Joana.

Ela aperta a descarga, olha para o piso e não se reconhece naquele emaranhado de azulejos estampados. Fica perdida nas idéias, sente uma leve dor de cabeça... é a ressaca da noite anterior.

Os amigos oferecem bebida e ela diz que não pode, por estar dirigindo.

Lava as mãos, joga um pouco de água no rosto, ajeita a sobrancelha e tenta se reconhecer no espelho. Maria encontra-se entediada, mas ela não sabe. Não se conhece muito bem. Sente umas agonias vez ou outra, mas não sabe verbalizar suas razões.

Todos tomam um rumo e Maria e Joana terminam juntas num quarto do centro da cidade. Elas acabaram de abrir mais uma garrafa de vinho. Um papo bem furado, um sexo bem miado. Elas mal se conheceram e partiram pro finalmente.

Ela percebe que não tem toalha de rosto no banheiro. Então estende a mão até o suporte de papel higiênico, retira uma tira e, dessa forma, seca seu rosto.

Elas ascendem um cigarro. Joana é estudante de direito e fala do seu estágio no tribunal de contas. Maria viaja no mundo da lua, vive num castelo que construiu, é bailarina e também gosta de cantar, ela fantasia sua dura realidade, de artista desempregada, entre outros dramas cotidianos, mas se conforta, mesmo que inconsciente, porque sabe que ainda pode contar com a ajuda de sua avó.

Tira os pedacinhos de papel higiênicos que ficaram em seu rosto, joga no lixo e sai do banheiro.

O telefone de Joana toca. É uma amiga, dizendo que ela havia esquecido suas chaves de casa no carro dela.

Maria entra em seu quarto, deita na cama e liga a TV. Mas seus pensamentos divagam, com tamanha desordem que a programação da TV não a distrai.

--- Preciso ir embora.

Diz Joana.

--- Por quê?

--- Vou encontrar com minha amiga. Preciso pegar minhas chaves com ela.

--- Mas tem que ser agora?

--- Sim! Vamos?!

Um livro de história da humanidade está jogado no chão de seu quarto, ela leu o capítulo da primeira guerra mundial na semana passada. As barbáries voltaram a impressioná-la e ela decidiu fechar o livro por algum tempo. Já não há o que fazer. Seu corpo está cansado, mas sua mente não para de funcionar. Ela pensa nos excessos da noite anterior, mas pensa que só uma noite como aquelas pra recuperá-la da ressaca moral que sente nesse momento.

--- Eu te levo.

Diz Maria.

--- Relaxa, eu posso pegar um taxi.

--- Imagina. Você veio comigo e vai voltar comigo.

Ela sente uma enorme vontade de ligar pra Joana, mas sabe da tremenda humilhação que seria essa situação.

--- Eu não quero! Não precisa.

Grita Joana com certo controle de sua voz.

A jovem bailarina decide assistir a um DVD de sua coleção. Persona do Bergman é seu alvo, despretensiosamente. Ela dorme, antes mesmo que o filme chegue ao fim.

Maria dá um tapa na cara de Joana e ri. É brincadeira. Diz a moça. Joana então a persegue pelo quarto, Maria foge e em tom de brincadeira as duas alimentam a perseguição. Joana então consegue agarrar Maria e lhe mete um forte tapa na cara que a deixa com o ouvido zunindo.

--- Ela não é só minha amiga.

Diz Joana.

--- E qual o problema?

--- Ela é minha namorada.

--- Ainda não sei qual é o problema.

--- Mas é uma vadia mesmo!

Maria acorda num susto, como quem acaba de sair de um pesadelo. Olha pro lado e vê Jorge. Seu marido, que roncava alto com babas que escorriam por sua boca aberta. Ela se levanta, calça os chinelos, ajeita a blusa de frio que usa pra dormir e vai até a cozinha. Acende as luzes, pega uma chaleira em baixo do armário, coloca água, acende o fogo e prepara a garrafa térmica para passar um café. Pega o jornal na porta, põe em cima da mesa e enquanto a água ferve lê as primeiras notícias do dia. E em sua dislexia, começa a viajar no sonho que acabara de viver.